sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

‘Se Evo Morales vier à Romaria da Terra, vamos condecorá-lo com muito orgulho’, diz Edegar Pretto



Edegar Pretto: “Eles gostariam que voltasse o tempo da senzala. Ainda não saíram da Casa Grande. Para esses setores reacionários, negros e índios devem ficar na senzala”. (Foto: Leandro Molina/Divulgação)


Marco Weissheimer
A entrega da Medalha do Mérito Farroupilha, a mais alta condecoração do Parlamento gaúcho, nunca foi objeto de grandes polêmicas ideológicas. Nomes tão diferenciados como os da dupla sertaneja Zezé de Camargo e Luciano, da jornalista Patrícia Poeta e do ex-presidente português Mário Soares já receberam a honraria sem que houvesse questionamentos sobre a “contribuição dos mesmos para o desenvolvimento do Estado”. Isso até que o deputado Edegar Pretto (PT) indicasse o nome do presidente da Bolívia, Evo Morales, para receber a honraria. A indicação foi um pedido de movimentos sociais e populares que convidaram Evo Morales a vir ao Rio Grande do Sul em fevereiro de 2016 para participar da Romaria da Terra, que este ano homenageará a memória de Sepé Tiarajú, chefe indígena dos Sete Povos das Missões que combateu as forças do Tratado de Madri, assinado por Portugal e Espanha em 1750.

A Romaria da Terra sempre acontece na terça-feira de Carnaval e este ano será realizada em São Gabriel, numa região de muitos conflitos entre fazendeiros e sem terra nas últimas décadas. “É um território reconhecidamente do latifúndio, onde o MST fez grandes embates com ocupações de terra nos últimos anos e hoje está, em parte, povoado por assentamentos de Reforma Agrária. Foi lá também que foi assassinado, há 260 anos, o índio Sepé Tiarajú, que será o tema desta edição da Romaria da Terra. Inclusive, neste momento, está em curso na Igreja Católica um processo de canonização do líder indígena. O primeiro passo é o reconhecimento de Sepé Tiarajú como mártir. A Romaria da Terra também pretende dar visibilidade a esse processo de canonização, que está sendo coordenador aqui no Rio Grande do Sul pelo irmão marista Antonio Cechin”, assinala Edegar Pretto.

Segundo o parlamentar, os movimentos que estão organizando a Romaria da Terra e que foram ao encontro com o Papa Francisco na Bolívia em julho deste ano, sugeriram que este seria um bom momento para homenagear uma das principais lideranças indígenas da América Latina hoje, o presidente Evo Morales. “Essas organizações convidaram Evo para participar da Romaria da Terra e nós decidimos, no plano institucional, dar a Evo Morales a Medalha do Mérito Farroupilha, a homenagem máxima concedida pelo parlamento gaúcho. Cada deputado tem o direito de indicar um homenageado durante os quatro anos de mandato. No mandato passado, nós homenageamos o ex-governador Olívio Dutra. Apresentamos a indicação na Mesa Diretora que homologou o pedido. Não há votação dessas indicações. Cada mandato tem o direito de fazer uma indicação que é homologada pela mesa”, relata Pretto.

Logo após a homologação do pedido, começou uma reação que, na avaliação do parlamentar, parte dos setores políticos mais reacionários do Estado. Para ele, essa reação é expressão de um preconceito ideológico e de classe que não consegue esconder sua aversão aos setores mais pobres da população.
“A nossa intenção, ao propor a medalha para Evo Morales, é homenagear principalmente os povos indígenas que foram massacrados ao longo da nossa história e seguem sendo nos dias de hoje, também aqui no Rio Grande do Sul. A referência à luta de Sepé Tiarajú também se insere neste contexto. O território guarani, dos nossos antepassados, tomava a extensão de Montevidéu até o que é hoje o município de Valle Grande, no oeste da Bolívia. Tanto a Bolívia, assim como o norte da Argentina e Paraguai faziam parte do território guarani, do qual Sepé era um dos líderes. Homenagear Evo Morales é homenagear os camponeses, os indígenas e os sindicalistas, que é um pouco o perfil da base social que apoia o meu mandato”, diz ainda o parlamentar.

O convite ao presidente Evo Morales, sustenta Edegar Pretto, também se justificativa pelo fato simbólico dele ser o único presidente indígena e o maior líder do campesinato da América Latina, com reconhecimento mundial pela sua luta em nome da inclusão e reconhecimento das nações e povos indígenas historicamente excluídos e marginalizados.

Para Pretto, aqueles que se opõem a essa homenagem utilizam argumentos carregados de preconceito, pretendendo inclusive colocar sobre as costas de Evo Morales a responsabilidade pelo problema das drogas no Brasil. “Quem diz isso não são pessoas sem conhecimento. A gente sabe que a questão não é essa. Trata-se de um preconceito contra os trabalhadores, contra os pobres, os negros, os quilombolas, os índios. Esse preconceito vem do mesmo setor que apoia políticos como Luiz Carlos Heinze que, em um discurso em Vicente Dutra, disse que negros, gays, índios e quilombolas eram tudo o que não presta em nosso país. Essa elite que está pedindo a anulação desta homenagem tem exatamente esse pensamento. Eles gostariam que voltasse o tempo da senzala. Ainda não saíram da Casa Grande. Para esses setores, negros e índios devem ficar na senzala e trabalhar para que eles fiquem cada vez mais ricos”.

Questionado sobre o argumento utilizado pelos deputados Jorge Pozzobom (PSDB) e Marcel van Hattem (PP), que pediram a anulação da homenagem, alegando a falta de relação de Evo Morales com o Rio Grande do Sul, Edegar Pretto cita o antecedente de outras personalidades de fora do Estado que receberam a mesma homenagem sem que houvesse esse tipo de questionamento.

“Já foram indicados por parlamentares para receber essa homenagem a dupla sertaneja Zezé de Camargo e Luciano, a apresentadora Ana Maria Braga e o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, que hoje está sendo acusado de participação em um esquema de lavagem de dinheiro. Ninguém disse absolutamente nada. Então, trata-se de puro preconceito, discriminação e intolerância. O ex-presidente de Portugal, Mário Soares, foi outro indicado para receber a homenagem. Aliás, foram as tropas de Portugal e da Espanha que assassinaram o Sepé Tiarajú em São Gabriel. Quando um ex-presidente de Portugal foi indicado para receber essa honraria, ninguém questionou nada. Agora, quando é um presidente indígena e sindicalista que erradicou o analfabetismo em seu país, aí não pode”.

Essa reação, conclui Edegar Pretto, é pura demarcação ideológica. “Se o Evo Morales conseguir vir à Romaria da Terra, nós vamos condecorá-lo com a Medalha do Mérito Farroupilha com muito orgulho. O presidente da Assembleia, deputado Edson Brum, recebeu o pedido de anulação da homenagem feito por dois deputados do PSDB e um deputado do PP, informou a mesa diretora sobre esse recebimento e reafirmou que a mesa não vota, mas só homologa os pedidos e que esse é um assunto encerrado”.

Fonte: http://www.sul21.com.br/jornal/se-evo-morales-vier-a-romaria-da-terra-vamos-condecora-lo-com-muito-orgulho-diz-edegar-pretto/

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