Edegar Pretto: “Eles gostariam que voltasse o tempo
da senzala. Ainda não saíram da Casa Grande. Para esses setores reacionários,
negros e índios devem ficar na senzala”. (Foto: Leandro Molina/Divulgação)
Marco Weissheimer
A entrega da Medalha do Mérito Farroupilha, a mais
alta condecoração do Parlamento gaúcho, nunca foi objeto de grandes polêmicas
ideológicas. Nomes tão diferenciados como os da dupla sertaneja Zezé de Camargo
e Luciano, da jornalista Patrícia Poeta e do ex-presidente português Mário
Soares já receberam a honraria sem que houvesse questionamentos sobre a
“contribuição dos mesmos para o desenvolvimento do Estado”. Isso até que o
deputado Edegar Pretto (PT) indicasse o nome do presidente da Bolívia, Evo
Morales, para receber a honraria. A indicação foi um pedido de movimentos
sociais e populares que convidaram Evo Morales a vir ao Rio Grande do Sul em
fevereiro de 2016 para participar da Romaria da Terra, que este ano homenageará
a memória de Sepé Tiarajú, chefe indígena dos Sete Povos das Missões que
combateu as forças do Tratado de Madri, assinado por Portugal e Espanha em
1750.
A Romaria da Terra sempre acontece na terça-feira
de Carnaval e este ano será realizada em São Gabriel, numa região de muitos
conflitos entre fazendeiros e sem terra nas últimas décadas. “É um território
reconhecidamente do latifúndio, onde o MST fez grandes embates com ocupações de
terra nos últimos anos e hoje está, em parte, povoado por assentamentos de
Reforma Agrária. Foi lá também que foi assassinado, há 260 anos, o índio Sepé
Tiarajú, que será o tema desta edição da Romaria da Terra. Inclusive, neste
momento, está em curso na Igreja Católica um processo de canonização do líder
indígena. O primeiro passo é o reconhecimento de Sepé Tiarajú como mártir. A
Romaria da Terra também pretende dar visibilidade a esse processo de
canonização, que está sendo coordenador aqui no Rio Grande do Sul pelo irmão
marista Antonio Cechin”, assinala Edegar Pretto.
Segundo o parlamentar, os movimentos que estão
organizando a Romaria da Terra e que foram ao encontro com o Papa Francisco na
Bolívia em julho deste ano, sugeriram que este seria um bom momento para
homenagear uma das principais lideranças indígenas da América Latina hoje, o
presidente Evo Morales. “Essas organizações convidaram Evo para participar da
Romaria da Terra e nós decidimos, no plano institucional, dar a Evo Morales a
Medalha do Mérito Farroupilha, a homenagem máxima concedida pelo parlamento
gaúcho. Cada deputado tem o direito de indicar um homenageado durante os quatro
anos de mandato. No mandato passado, nós homenageamos o ex-governador Olívio
Dutra. Apresentamos a indicação na Mesa Diretora que homologou o pedido. Não há
votação dessas indicações. Cada mandato tem o direito de fazer uma indicação
que é homologada pela mesa”, relata Pretto.
Logo após a homologação do pedido, começou uma
reação que, na avaliação do parlamentar, parte dos setores políticos mais
reacionários do Estado. Para ele, essa reação é expressão de um preconceito
ideológico e de classe que não consegue esconder sua aversão aos setores mais
pobres da população.
“A nossa intenção, ao propor a medalha para Evo
Morales, é homenagear principalmente os povos indígenas que foram massacrados
ao longo da nossa história e seguem sendo nos dias de hoje, também aqui no Rio
Grande do Sul. A referência à luta de Sepé Tiarajú também se insere neste
contexto. O território guarani, dos nossos antepassados, tomava a extensão de
Montevidéu até o que é hoje o município de Valle Grande, no oeste da Bolívia.
Tanto a Bolívia, assim como o norte da Argentina e Paraguai faziam parte do
território guarani, do qual Sepé era um dos líderes. Homenagear Evo Morales é
homenagear os camponeses, os indígenas e os sindicalistas, que é um pouco o
perfil da base social que apoia o meu mandato”, diz ainda o parlamentar.
O convite ao presidente Evo Morales, sustenta
Edegar Pretto, também se justificativa pelo fato simbólico dele ser o único
presidente indígena e o maior líder do campesinato da América Latina, com
reconhecimento mundial pela sua luta em nome da inclusão e reconhecimento das nações
e povos indígenas historicamente excluídos e marginalizados.
Para Pretto, aqueles que se opõem a essa homenagem
utilizam argumentos carregados de preconceito, pretendendo inclusive colocar
sobre as costas de Evo Morales a responsabilidade pelo problema das drogas no
Brasil. “Quem diz isso não são pessoas sem conhecimento. A gente sabe que a
questão não é essa. Trata-se de um preconceito contra os trabalhadores, contra
os pobres, os negros, os quilombolas, os índios. Esse preconceito vem do mesmo
setor que apoia políticos como Luiz Carlos Heinze que, em um discurso em
Vicente Dutra, disse que negros, gays, índios e quilombolas eram tudo o que não
presta em nosso país. Essa elite que está pedindo a anulação desta homenagem
tem exatamente esse pensamento. Eles gostariam que voltasse o tempo da senzala.
Ainda não saíram da Casa Grande. Para esses setores, negros e índios devem
ficar na senzala e trabalhar para que eles fiquem cada vez mais ricos”.
Questionado sobre o argumento utilizado pelos
deputados Jorge Pozzobom (PSDB) e Marcel van Hattem (PP), que pediram a
anulação da homenagem, alegando a falta de relação de Evo Morales com o Rio
Grande do Sul, Edegar Pretto cita o antecedente de outras personalidades de
fora do Estado que receberam a mesma homenagem sem que houvesse esse tipo de
questionamento.
“Já foram indicados por parlamentares para receber
essa homenagem a dupla sertaneja Zezé de Camargo e Luciano, a apresentadora Ana
Maria Braga e o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, que hoje está sendo acusado
de participação em um esquema de lavagem de dinheiro. Ninguém disse
absolutamente nada. Então, trata-se de puro preconceito, discriminação e
intolerância. O ex-presidente de Portugal, Mário Soares, foi outro indicado
para receber a homenagem. Aliás, foram as tropas de Portugal e da Espanha que
assassinaram o Sepé Tiarajú em São Gabriel. Quando um ex-presidente de Portugal
foi indicado para receber essa honraria, ninguém questionou nada. Agora, quando
é um presidente indígena e sindicalista que erradicou o analfabetismo em seu
país, aí não pode”.
Essa reação, conclui Edegar Pretto, é pura
demarcação ideológica. “Se o Evo Morales conseguir vir à Romaria da Terra, nós
vamos condecorá-lo com a Medalha do Mérito Farroupilha com muito orgulho. O
presidente da Assembleia, deputado Edson Brum, recebeu o pedido de anulação da
homenagem feito por dois deputados do PSDB e um deputado do PP, informou a mesa
diretora sobre esse recebimento e reafirmou que a mesa não vota, mas só
homologa os pedidos e que esse é um assunto encerrado”.
Fonte: http://www.sul21.com.br/jornal/se-evo-morales-vier-a-romaria-da-terra-vamos-condecora-lo-com-muito-orgulho-diz-edegar-pretto/
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